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Invasão: “Comunicado à Comunidade de Repúblicas e Amigues da República ROSA LUXEMBURGO”

Quem conhece a história da República Rosa Luxemburgo, sabe que esta casa é das primeiras repúblicas de mulheres da cidade de Coimbra, hoje declaradamente transfeminista e ativa na construção de espaços seguros para todes, livre de machismo, lgbtfobia, racismo, xenofobia e outras formas de violências estruturais. Para além disso, é formada maioritariamente por pessoas imigrantes brasileiras, algumas racializadas, o que contribui para agravar o relato que se fará a seguir. Na madrugada do sábado, dia 8 de julho de 2023, por volta das 7 horas da manhã, a nossa casa foi invadida por três homens, bastante embriagados, identificados como pertencentes à República Boa- Bay-Ela. Éramos ao todo cinco mulheres em casa, cada uma em seu quarto a dormir, quando a nossa porta foi arrombada, ruído que despertou prontamente uma das residentes, que foi logo ver o que acontecia.

Desceu as escadas, viu a porta de casa escancarada, fechou, por preocupação com nosso gato, que poderia fugir, e encontrou já na sala dois homens mais velhos, completos desconhecidos, sentados confortavelmente nos sofás, enquanto outro, mais jovem, estava na varanda, aparentemente fechando a calça após urinar. Assustada, quis saber o que acontecia e os dois homens mais velhos se identificaram enquanto antigos da Boa-Bay-Ela, sendo o mais jovem atual residente da casa. Ao que ela pediu que se retiras sem, um dos mais velhos, aparentemente mais embriagado e nervoso, mais tarde identificado como Carlos Vilar, respondeu violentamente que não sairia, além de começar a emitir xingamentos a nós e à casa, a nos mandar a ir ao caralho, porque não éramos uma república séria, éramos uma república de merda, que não fazia nada, além de outros impropérios.

O mais jovem, posteriormente identificado como Hugo Teixeira, começou a tentar apaziguar a situação e conseguiu convencer seus companheiros a deixar a casa. Horas depois, a residente que teve que lidar sozinha com a situação, contou a todas o que tinha se passado e desde então estamos a processar o trauma, lidar com os danos materiais e psicológicos desta invasão, além de encaminhar as providências cabíveis. importante ressaltar que essa violência que sofremos por parte de homens pertencentes à Boa-Bay-Ela (antigos e atuais), embora com mais gravidade desta vez, não é pontual e faz parte da cultura de machismo e violação que esta casa insiste em manter e reproduzir. Nos últimos quatro anos, pelo menos, foram inúmeras tentativas de entrarem em nossa casa, quase sempre em grupos numerosos de homens, sempre na madrugada, sob a justificativa de continuarem a festa ou serem recebidos para o pequeno almoço.

Como não nos conhecem de nenhum lado, tampouco demonstram interesse de fazê-lo, nunca concordamos em recebê-los, pois é evidente que por trás da suposta atitude amigável está a necessidade de ocupar nossos espaços como se fossem deles, assim como a cultura da violação legitima a “ocupação” dos corpos femininos como propriedade privativa dos homens. Trata-se de uma violência motivada pela vontade de afirmar o poder sobre alguém que foge ao seu controle ou o ameaça. Ao contrário do que costumam afirmar, não há nenhuma tradição entre nossas repúblicas que motive essa invasão reiterada de nossa intimidade, e se um dia houve, ela já deixou de existir no momento em que reconhecemos a importância de construir cotidianamente espaços seguros para nossos corpos e nossas vidas.

Os repúblicos e antigos da Boa-Bay-Ela já foram advertidos por nós, quando vieram das vezes anteriores, que não admitiríamos essas situações outras vezes e nossa postura foi reiterada perante a casa durante a reunião do Conselho das Repúblicas ocorrida em janeiro deste ano, na República Rápo-Taxo. Na ocasião, discutimos coletivamente as providências que a Boa-Bay-Ela deveria tomar para evitar que situações de violência machista se repetissem em sua casa, em festas e convívios, como a que havia se passado durante o último centenário da república, contra residentes da República Corsários das Ilhas. Pelo visto, nada foi realizado para uma mudança efetiva da cultura e da prática desta casa. A Boa-Bay-Ela continua a fugir da responsabilidade pelas práticas nocivas e violentas de seus componentes, sejam eles antigos ou atuais.

Além de não se reconhecerem como parte de um problema mais amplo e assumirem a responsabilidade pelo que é cometido em nome da casa, falharam nas medidas de cuidado e reparação, ao não nos receberem quando fomos a sua casa, durante a tarde do dia da invasão, e enviarem para dialogar conosco o próprio agressor, o mais violento deles. Isso é inadmissível e nos retraumatiza de formas difíceis de reparar, comprometendo a nossa saúde mental, o nosso sono, sossego e sentimento de segurança dentro da própria casa. Até mesmo a condição de abertura e acolhimento de uma república pode ficar também comprometida, porque teremos muito mais medo e precaução de abrir e deixar nossas portas abertas.

E, como se não bastasse, o nosso trauma não havia acabado por aí. Na tarde do domingo, quando fomos à Polícia de Segurança Pública, denunciar as pessoas envolvidas no crime que narramos, mais violência. Os agentes de polícia, além de não darem a devida atenção ao crime que tínhamos a reportar, claramente por não levarem tão a sério jovens estudantes brasileiras, praticamente nos dissuadiram a seguir com a denúncia, recusando-se em alguns momentos a colher o relato por completo, minimizando a gravidade do que narrávamos e afirmando, de diferentes maneiras, que esse processo não daria em nada.

Portanto, como sabemos que as instituições públicas são parte do problema que queremos combater e sabemos que as vias legais e punitivas dificilmente darão respostas satisfatórias e efetivas, compartilhamos esse relato, na tentativa de abrir outras vias de diálogo e resolução.

Assim, convocamos a nossa comunidade a tomarem conhecimento do ocorrido, posicionarem-se e nos ajudarem a construir soluções coletivas para a nossa proteção, segurança e convívio. Já recebemos o apoio de boa parte das Repúblicas e amigues e esperemos que outras se juntem.

No mais, desejamos a todes um divertido e ensolarado verão! Abaixo a Praxe e Viva o Haxe!

republicarosaluxemburgo

República Rosa Luxemburgo

Casa anti-praxe, transfeminista, autogestionada e comunitária.

Fundada em 1972 por Fernanda Mateus.