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Carta de denúncia: “A arte deve abrir portas, não fechá-las”

Carta de denúncia sobre a censura da obra “Adoçar a Alma para o Inferno III” presente na exposição “Vento(A)Mar”, dos artistas Dori Nigro e Paulo Pinto, no contexto da Bienal de Fotografia do Porto

Repudiamos veemente a dupla censura da obra “Adoçar a Alma para o Inferno III”, parte essencial da exposição “Vento (A)mar”, dos artistas Dori Nigro e Paulo Pinto, patente de 18 de Maio a 02 de Julho de 2023 no antigo panóptico do Centro Hospitalar Conde de Ferreira, sob a tutela da Santa Casa da Misericórdia do Porto, no contexto da Bienal de Fotografia do Porto.

Encerramento, em plena inauguração da mostra, da cela onde está a peça Adoçar a Alma para o Inferno III DR – Público

A exposição “Vento (A)mar” além de espelhar a ancestralidade dos artistas, também aborda um passado doloroso que é parte integrante da História colonial de Portugal, da História da Escravatura e da Diáspora Africana. Não devemos, nem podemos, apagar, branquear ou ignorar este passado, mas enfrentá-lo, aprender com ele e fazer justiça através da reparação e do reconhecimento.

Manifestamos a nossa profunda decepção e indignação face ao duplo ato de censura da Santa Casa da Misericórdia do Porto em relação a uma obra de arte que, através da reflexão, do uso e instalação de objetos referentes à biografia do Conde Ferreira questiona o seu legado, revelando simultaneamente elementos cruciais da escravização de corpos negros do continente Africano, facto devidamente documentado em diferentes fontes historiográficas.

O silenciamento da arte que traz à luz esses aspectos da História contribui para a perpetuação das estruturas de poder desiguais que sustentam o racismo e a opressão, e este ato é uma violação do direito à liberdade de expressão, um princípio fundamental em qualquer sociedade democrática.

É nesse sentido que convidamos todas as pessoas e instituições que se identificam com os princípios democráticos de liberdade e transparência na releitura da nossa história comum a se juntarem a nós nesta denúncia.

Da mesma forma que a comunidade de saúde, doentes, trabalhadores e famílias do Centro Hospitalar Conde de Ferreira merecem respeito e cuidado, também é fundamental que os artistas ao serem expostos à violência presente no espaço, e ao quererem questioná-la criticamente, sejam apoiados nos seus processos criativos, e não sujeitos à reprodução dessa mesma violência, nomeadamente através do silenciamento e da censura.

Não podendo negar o passado do Conde de Ferreira nem as terríveis consequências e continuidades da escravidão até aos dias de hoje, e a forma como estas atravessam a vivência, experiência e vida dos artistas, o que propõem é um questionamento e uma ressignificação, no sentido de um diálogo sobre reparação histórica através do reconhecimento crítico e da não negação da nossa história comum.

Sendo assim, considerando que o executivo da Câmara do Porto, seu presidente e o Ministério da Cultura condenaram a censura aos artistas cometida pelo Centro Hospitalar Conde de Ferreira e pela Santa Casa de Misericórdia, reivindicamos que essas instituições reponham integralmente a obra “Adoçar a Alma para o Inferno III”, dos artistas Dori Nigro e Paulo Pinto, não continuando a infringir o princípio constitucional inalienável da liberdade de expressão.

E caso as citadas instituições continuem a insistir nesse constrangimento ilegal cobramos da Bienal de Fotografia do Porto um posicionamento mais efetivo, junto à Câmara do Porto, seu presidente e o Ministério da Cultura para responsabilização dos danos causados aos artistas e comunidade que está impossibilitada de ter acesso a obra artística integral.

Difusão: União Negra das Artes

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