Denúncia colectiva contra ao casting Transfake em “Things I Know To Be True”
Sob a direção de Antonio Carlos Andrade e produzida pela companhia The Lisbon Players, a peça “Things I Know To Be True” vai ao palco do Teatro do Bairro, de 19 a 30 de Abril de 2023. Escrito em 2016 por Andrew Bovell, “Things I Know To Be True” inclui uma personagem trans. Um ator cis género, Ricardo Francisco Jacob, foi eleito para interpretar o papel de Mia, uma mulher trans. A prática da escolha de atores cis para interpretar papéis trans é conhecida como “transfake”. Transfake é um forma de discriminação em que a capacidade das pessoas trans de conhecer ou descrever sua experiência é silenciada e excluída. O transfake serve para excluir as pessoas trans do trabalho e da auto-representação, e contribui para a manutenção de estereótipos preconceituosos, ridicularização e descaracterizações prejudiciais das experiências trans. O termo Transfake foi cunhado em 2016 através do trabalho de Renata Carvalho e MONART (Movimento Nacional de Artistas Trans) com o texto “Manifesto Representatividade Trans Já”. Transfake é uma forma de violência estrutural e existe dentro de uma história de opressão sistémica contra as pessoas trans, e não-binárias.
Há uma resposta sistêmica da Lisbon Players em seu comportamento, que nega consistentemente o mundo interior das pessoas trans, a capacidade das pessoas trans de falar e conhecer sua própria experiência, e nega uma história de ativismo e luta trans. Os Lisbon Players afirmam ter feito tudo o que podiam para alcançar a comunidade trans, mas não fizeram um alcance adequado que incluísse vozes da comunidade trans, não ajustaram suas práticas em resposta às críticas trans, e fizeram tudo isso apesar de uma cultura crescente de resistência trans contra o casting transfake em Lisboa nos últimos 2 anos. Eles não consideraram como suas ações criaram um ambiente de hostilidade em relação à própria comunidade trans que eles estavam tentando engajar. A escolha de representar um papel trans com um ator cis é um ato político. Ele se envolve em uma política de representação, a representação de normas e sensibilidades hegemônicas. Sob a ordem hegemônica, as pessoas cis reivindicam o domínio sobre as pessoas trans, beneficiando-se direta e financeiramente da exclusão trans, e desfrutam de uma liberdade de escolha e expressão que as pessoas trans são histórica e sistemicamente negadas.
Desde que os protestos começaram na semana passada, os activistas sofreram uma barragem de violência do acções de Teatro do Bairro. Nas primeiras noites de protesto, o Teatro do Bairro chamou e usou a força policial contra a única activista quem estava lá, Dusty Whistles. Por vezes, ela, como mulher trans, foi sujeita a polícias masculinos, que liam abertamente em voz alta o nome nos seus documentos e a sua morada, colocando-a ainda mais em perigo. O director do Teatro do Bairro, António Pires, recusou-se a falar com os activistas ou a responder aos apelos de comunidade trans. Denunciamos o comportamento e as decisões do Teatro do Bairro e os Lisbon Players ao recusar-se a ouvir a comunidade trans, ao expor os activistas trans à violência, e recusar-se a respeitar os direitos dos activistas trans de se organizarem politicamente de forma legal com uma manifestação registada.
Em teoria todos os atores poderiam desempenhar todos os papéis, mas na prática isto nega a história de opressão e desigualdade que define o mundo em que vivemos atualmente. Construir rumo a um futuro equitativo requer ouvir ativamente os oprimidos historicamente, acreditar neles quando falam de sua experiência e responder estruturalmente para fazer uma cultura que seja inclusiva. O engajamento no trabalho de aliados deve apoiar uma verdadeira mudança sistêmica. Isto não é apenas uma luta pela representação, mas um movimento pela inclusão equitativa das pessoas trans na sociedade. Isto requer uma transformação cultural, social e política. A arte tem poder político. O casting transfake contribui para uma história de exclusão das pessoas trans da vida pública, acesso ao emprego e auto-representação.
Exigimos que o papel de Mia seja reformulado com um ator trans. Exigimos um pedido de desculpas público e o compromisso do Teatro do Bairro e os Lisbon Players de não mais se envolver na prática do Transfake. Pedimos um boicote à produção transfake de “Things I Know To Be True” e exigimos que o casting transfake seja compreendido pelo que é, um ato de violência transfóbica.
Transfake é transfobia.
Signatários:
- Colectivo FACA
- Associação Anémona
- Renata Carvalho
- Monart Brasil
- Monart Itália
- Coletivo T
- Grupo EducAR
- Clube Safo
- Greta Livraria
- Chaves Comunitária
- Sapata Press
- Afrolink
- Opus Diversidades
- Coletivo Afrontosas
- (A)MAR – Açores Pela Diversidade
- PALVT – Plataforma Antifascista Lisboa e Vale do Tejo
- Rede 8 Março
- NAP – Núcleo Antifascista do Porto
- Coletivo a Traça