Rede de Contra Informação

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Contra o projeto do megaparque fotovoltaico do Cercal: Oposição à construção de uma Linha de Muito Alta Tensão

Mais uma vez temos que nos levantar contra o projeto do megaparque fotovoltaico do Cercal promovido pela Cercal Power/Aquila Capital, dessa vez manifestando a nossa oposição à construção de uma Linha de Muito Alta Tensão (LMAT, 400.000 volts) com 25,6 km de extensão.

Esta Linha de Muito Alta Tensão (LMAT) tem por objetivo escoar a energia produzida na Central Fotovoltaica do Cercal, assegurando a sua ligação à Rede Elétrica de Serviço Público (RESP), na subestação de Sines da REN, S.A.  A LMAT será à tensão 400 kV e terá uma extensão de 25,66 km.

Juntos Pelo Cercal:
https://www.facebook.com/juntospelocercal/

Consulta Pública:
https://participa.pt/pt/consulta/recape-da-linha-de-muito-alta-tensao-lmat-da-central-fotovoltaica-do-cercal

Resumo do Projecto:
https://participa.pt/contents/consultationdocument/T07923_01_Vol1-RNT.pdf

Participação do Juntos pelo Cercal:

Venho comunicar à Vossa Excelência a minha total discordância em relação ao projeto da LMAT proposto pela Cercal Power / Aquila Capital.  

A análise da documentação apresentada leva a conclusão de que o presente RECAPE, em segunda versão e agora como projeto em Execução, ainda não dá cumprimento satisfatório ao inscrito na DIA favorável condicionada, referente ao Projeto avaliado em fase de Anteprojeto. Além do mais, os sucessivos RECAPE´s repetem e ampliam alguns erros e omissões já identificados e relatados no AIA do projeto. 

As objeções seguem:

  1. Numa primeira tentativa a Cercal Power apresentou junto da APA e esta aceitou um projeto de execução para a construção de uma central fotovoltaica e um estudo prévio para a construção da linha de muito alta tensão associada ao parque solar.

Nesta primeira tentativa estes dois componentes do mesmo projeto foram apresentados como um projeto fechado. O projeto, como um todo, era aceitável do ponto de vista do enquadramento ecológico e detalhado o suficiente para que a central fotovoltaica fosse, desde logo aprovada em fase de execução.

Presumia-se – saber-se hoje que erradamente – que tudo aquilo que a lei impõe ser estudado no âmbito de um estudo de impacte ambiental teria sido estudado. Incluindo corredores alternativos para passagem dos cabos elétricos. 

Foi feita uma participação pública no âmbito de um projeto quase concluído. Num projeto onde (apenas) era necessário fazer a avaliação de impacte ambiental do projeto de execução da linha de muito alta tensão. 

Mas afinal não era esse o projeto que viria a ser apresentado. Ficou a DIA de um projeto para construção de uma central fotovoltaica, mas, ainda antes de ser apresentado o RECAPE correspondente à linha de muito alta tensão, já era anunciada a reformulação substancial do projeto. Supõe-se que de todo o projeto. 

De acordo com o anunciado, nem uma árvore seria abatida, nem um sobreiro arrancado, nem uma azinheira removida. A acrescer a isto, mais afastamento dos painéis fotovoltaicos das propriedades. 

Portanto, o que temos é uma grande confusão, permitida pela APA e, quem sabe, com a sua conivência. A entidade protetora do ambiente e que se rege por um princípio de legalidade, é a entidade que patrocina e permite atentados ambientais e que leva ao colo promotores como é o caso da Cercal Power. 

Até agora o publico foi enganado duas vezes. A primeira quando foi levado a acreditar – falsamente – que estava a participar numa consulta púbica para o projeto integrado e que se compunha de duas componentes. Afinal na parte da linha de muito alta tensão aquilo para que participaram já não existe;

Foram enganados uma segunda vez quando, já após emissão da DIA, e, portanto, com o projeto aprovado do ponto de vista ambiental e inclusivamente com um conjunto de medidas de minimização apresentadas, também para a linha de muito alta tensão, ficaram a saber que o projeto havia sido substancialmente alterado.

Quando se lê na DIA do projeto da Central Fotovoltaica do Cercal e Linha de Muito Alta Tensão associada algo como isto:

Esta entidade destaca o facto do projeto da LMAT, desenvolvido em fase de anteprojeto, ser quase sempre assumido no EIA como um projeto finalizado, não sendo percetíveis os corredores alternativos estudados, nem sendo estabelecidas medidas de minimização para a fase de projeto de execução. Considera esta posição assumida o EIA questionável quando e reconhecida a lacuna de informação relativa a localização exata do ninho de Aguia-de-Bonelli e respetivos buffers, na zona dos apoios que incidem no território municipal de Sines. Acresce que o EIA assume que a localização dos apoios e dos acessos a construir não esta fechada, pelo que haverá a possibilidade de virem a ser afetadas condicionantes atualmente respeitadas, como sejam exemplares de sobreiro e/ou azinheira. Ainda que estas situações apenas possam ser aferidas na fase de projeto de execução da LMAT, considera esta entidade que deveriam ser introduzidas medidas de minimização e recomendações nesta fase de projeto no presente EIA, as quais devem constar da Declaração de Impacte Ambiental, com a qual o projeto da LMAT se devera compatibilizar em fase de RECAPE.

Era uma declaração não séria porque afinal temos outro processo de avaliação da conformidade ambiental do projeto de execução. Mas continuamos a ter a mesma afetação de espécies, a mesma destruição de atividades económicas já instaladas e que contribuem, e muito, para a economia local, o mesmo desrespeito pelo património cultural.

  1. O RECAPE não cumpre as medidas a integrar no projeto de execução da LMAT (DIA) nomeadamente a medida associada à afetação de quercíneas, a medida de respeitar os condicionantes do Plano de Ordenamento da Albufeira de Águas Públicas de Campilhas e as medidas de minimização dos impactes visuais sobre turismos rurais e habitações e as medidas de não afetação de elementos patrimoniais identificados.

Medida de Minimização nº 1: Salvaguardar a integridade física de todos os exemplares de quercíneas, em bom estado sanitário e vegetativo, existentes na área de intervenção do projeto.

O projeto implica o abate de 42 sobreiros e a afetação de 110 sobreiros (por corte ou por intervenções na área de proteção do sistema radicular) para a instalação de apoios e construção de acessos. Convém recordar foi anunciado publicamente que a APA tinha dado “luz verde” ao projeto reformulado da Central Solar do Cercal do Alentejo. Uma reformulação que, de acordo com a Aquila Clean Energy, foi substancial e que surgiu já depois de a DIA ter sido emitida. Ou seja, mais uma vez o público está a ser defraudado. Um projeto substancialmente reformulado, cuja reformulação passa completamente ao lado dos cidadãos. No entanto e apenas pelas notícias que saíram nos órgãos de comunicação social, uma das alterações substanciais que o projeto terá sofrido foi a de que, onde antes estava previsto o abate de centenas de árvores, agora nem uma. Antes pelo contrário. Agora e segundo o promotor, serão plantadas 6000 novas árvores. Feita esta nota histórica deve dizer-se que o que valeu para a Central fotovoltaica, não vale agora para a construção da LMAT. Vejamos como a APA reage a esta alteração de opções, ou se, tal como fez anteriormente e nas costas do público, aceita a reformulação do projeto após a fase da consulta pública e, eventualmente, após emissão de DECAPE. Assim, o promotor incumpre agora com este RECAPE da LMAT com aquilo a que se comprometeu quando obteve a DIA do projeto da central fotovoltaica associada e até posteriormente. Ou seja, nem um único sobreiro abatido; nem uma única azinheira removida, mais uma promessa vã. Mas, a situação é rapidamente contornada, promotora irá requerer, após a emissão do DECAPE, o reconhecimento que a LMAT é um “Empreendimento de Imprescindível Utilidade Pública”.

Medida de Minimização nº 2: Respeitar os condicionamentos do Plano de Ordenamento da Albufeira de Águas Públicas de Campilhas, face à execução de ações no plano de água e na zona terrestre envolvente de proteção numa faixa de 500 m de largura. 

Em vez de considerar soluções efetivas para atender essa medida, a promotora preferiu argumentar o caso através da seleção e interpretação de peças legais e documentos aparentemente contraditórios. A promotora conclui, sumariamente, que não existe nada explicitamente que proíba a instalação de uma LMAT sobre a Albufeira de Campilhas e áreas circundantes. E adiciona o comentário que “aliás, já existem duas LMAT´s a atravessar essa Zona de Proteção”.  Aqui tem-se um caso onde dois erros justificam um terceiro. 

Continua a falta de clareza sobre os aspectos identificadas no Plano Diretor Municipal de Santiago do Cacém e no Plano de Ordenamento da Albufeira de Águas Publicas de Campilhas, em especial o pedido para utilizar áreas afetas ao regime da Reserva Agrícola Nacional (RAN), por exemplo apoios 13, 24 e 25. 

Medida de Minimização nº 3: Proceder à minimização dos impactes visuais, com a criação de maiores vãos ou, no limite, considerar a colocação de outro(s) apoio(s), sobre as seguintes situações: habitações de turismo rural “Moinhos do Paneiro” (apoio 34); “Terra Verde e Monte do Cardal” (apoios 36 e 37); “Vale Seco Casinhas da Aldeia” (apoio 39); habitações isoladas (apoio 40).

Apesar de novos estudos paisagísticos, esses só serviram para comprovar que as melhorias necessárias já tinham sido exploradas no projeto inicial. Ou seja, afora o aumento de vãos, a relocalização de apoios é mínima. 

Portanto, consideramos que os esforços de compatibilização foram guiados por soluções preconizadas a priori. 

As propostas de minimização dos impactes visuais sobre as seguintes situações as habitações de turismo rural “Moinhos do Paneiro” (apoio 34); “Terra Verde e Monte do Cardal” (apoios 36 e 37); “Vale Seco Casinhas da Aldeia” (apoio 39); habitações isoladas (apoio 40)” são discutíveis, tanto em termos práticos como de ausência de demonstrável comprovação de entendimento com todos os proprietários

Medida de Minimização nº 7: Garantir a não afetação dos elementos patrimoniais LMAT 1 e LMAT 6, devendo ser minimizadas eventuais afetações do respetivo enquadramento paisagístico. 

O LMAT 6 corresponde à Quinta da Ortiga, também designada como Hotel Pousada de Santiago do Cacém Quinta da Ortiga constitui um exemplar de arquitetura residencial setecentista. No PDM de Santiago do Cacém, surge para além da componente edificada, uma mancha de área rústica associada à inventariação, sob a designação de “Quintas Históricas – Espaço Cultural”, definida pelo regulamento (Diário da República n.º 35/2016, Série II de 2016-02-19, artigos 18º e 19º).

Apesar da relevância do conjunto, a promotora afirma que “o impacte paisagístico pela instalação dos novos cabos não é significativo, pois trata-se apenas da instalação de mais três cabos, numa paisagem já de si artificializada pela presença de várias linhas elétricas.” Ou seja, exime-se de quaisquer modificações do projeto que incidem sobre o estado e destino da Quinta da Ortiga por considerar que os entornos já estão artificializados e que mais uma LMAT não irá piorar ainda mais a situação.  Portanto, considera-se que que a questão da afetação da Quinta da Ortiga não se encontra completamente clarificada.

  1. Na mesma linha de comentários já feitos anteriormente, consideramos que os critérios usados pela APA deveriam seguir o espírito e letra de EIAs de uma forma integrada e rigorosa. Realça-se que questões fundamentais como as seguintes não deveriam ser sistematicamente ignoradas:
  • O conteúdo apresentado nos documentos que compõem o RECAPE, apesar das pormenorizações verificadas, direciona-se tendenciosamente para a obtenção de conclusões feitas a priori, por vezes suavizadas, mas desfocadas da realidade territorial. 
  • Nenhum dos dois componentes do projeto tem em linha de conta as profundas perturbações resultantes de uma transição energética abrupta e disruptiva numa região que sempre esteve vocacionada para as atividades agrícolas e turísticas. 
  • A assimetria na suposta equanimidade de custos e benefícios, em particular as externalidades econômicas, sociais e ambientais está a recair exclusivamente sobre as comunidades, em flagrante contradição ao espírito da Transição Energética e Agenda 2030 que visa “não deixar ninguém para trás”. 
  1. A implantação preconizada da LMAT sempre seguiu a maior aproximação possível de outras linhas elétricas já existentes, nomeadamente as LMATs com faixa de servidão de 45 m (Linha Sines-Portimão 3 (LSN.PO3), a 400 kV; Linha Ferreira do Alentejo-Sines (LFA.SN), a 400 kV; Linha dupla Sines-Portimão 2/Sines-Saboia (LSN.PO2/LSN.SI), ambas a 150 kV) mas também necessita acomodar-se a LMAT na subestação de Sines – Linha Central de Sines-Sines 1 (LCSN.SN1), a 150 kV.  Mas a conveniência económica e operacional tem consequências:
  • O acréscimo de mais uma linha a 400 kV resulta em adensamento de infraestruturas e essa condição necessita ser estudada como um todo, e não de uma forma singular e parcelada. 
  • O RECAPE, assim como todos os estudos que o precedem, desconsidera os efeitos cumulativos devidos a mais um corredor adjacente às linhas de muito alta tensão da REN, S.A. já em operação. A abordagem singular deveria ser substituída por uma abordagem proporcional e integrada no território como um todo.  Mais comentários sobre efeitos cumulativos no item (8). 
  1. A LMAT vai ser construída em cima de um corredor ecológico, denominado “Serras do litoral e montado de Santiago”. Este, como qualquer corredor ecológico, assume-se como fundamental para permitir que as espécies se desloquem, sem quaisquer constrangimentos e, por essa via, a preservação destes corredores promove a biodiversidade. E o que nos propõe o promotor? Construir ao longo deste corredor uma linha de muito alta tensão. E que medidas de minimização propõe? Efetivamente nenhuma. E que medidas de compensação propõe, embora neste caso, não haja compensação possível? Nenhuma. Um vazio absoluto e uma repetição, pura e simples, daquilo que eram as medidas de minimização propostas para a construção do parque solar. 

Nesse âmbito, também não é possível fechar os olhos para a multitude e grandeza dos impactes causados pelos aerogeradores, acessos e linhas elétricas do Projeto Eólico de Morgavel em área adjacente e afetando o mesmo ecossistema. E aqui temos mais um exemplo de efeitos importantes para o território, mas desconsiderados pela APA – é contraproducente separar e analisar, individual e singularmente, projetos que estão intrinsecamente conectados.  

  1. A Linha Elétrica associada à Central Fotovoltaica do Cercal desenvolve-se numa região onde se encontram referenciadas várias espécies de avifauna com estatuto de ameaça elevado, simultaneamente com elevada probabilidade de ocorrência, e risco de colisão com linhas elétricas intermédio a elevado. 
  • Considerando a extensão da linha e que, na região atravessada pela mesma, existe a probabilidade de ocorrência de 12 espécies de avifauna ameaçadas a nível nacional, a mortalidade das aves por colisão e/ou redução do respetivo habitat de distribuição representam impactes negativos relevantes, de elevada magnitude e significância. As espécies ameaçadas pelo projeto incluem, mas não se limitam a Águia-de-bonelli (Aquila fasciata), Tartaranhão-caçador (Circus pygargus), Alcaravão (Burhinus oedicnemus) e Sisão (Tetrax tetrax).
  • Tanto o EIA como os dois RECAPE´s não apresentam dados de censos atualizados das espécies alvo (Aguia-de-Bonelli, Tartaranhão-caçador, Alcaravão e Sisão), uma peça para o planeamento de qualquer projeto. 
  • Também ignoram o princípio da prevenção, pois não há uma estimativa da escala das perdas da biodiversidade associada a proposta. Como todo o programa de monitoramento é posterior a implementação do projeto e que a quantificação dos impactes tomaria cerca de 3-5 anos de operação, torna-se claro que as “medidas de minimização” de impactes no presente RECAPE são insatisfatórias
  1. A LMAT é parte integrante de um projeto que irá alterar irremediavelmente todo um ecossistema, incluindo a comunidade humana, e uma paisagem rural, penalizando os cidadãos que investiram as suas economias em unidades agrícolas e turísticas, bem como em atividades paralelas. A beleza identitária da sua paisagem não é compatível com zonas alargadas de várias LMAT´s em proximidade. 
  • O Plano de Pormenor (PP) da Barragem de Campilhas (920 hectares), assenta-se num pressuposto de paisagem natural, com fruição dos elementos paisagísticos envolventes. Dentro da perspetiva desse Plano, uma terceira linha de muita alta tensão a passar no corredor proposto é inaceitável
  • Maior impacto paisagístico e menor atratividade da região o que contribuirá para a desertificação social e consequente envelhecimento da população. Igualmente já foi comprovado que uma zona rural “abandonada” pode elevar o risco de incêndios, o que, por sua vez, são uma grande fonte de gases com efeito de estufa. 
  • Consequências graves na desvalorização do mercado onde tantos apostaram para desenvolver negócios na área do turismo ou como segundas habitações. Basta estar atento ao número de propriedades que estarão à venda (possivelmente por preços inferiores ao valor de mercado) ao longo do corredor proposto. Provavelmente, a venda do turismo rural Moinhos dos Paneiros em Julho de 2023 poderia exemplificar essa desvalorização. 
  1. A APA, enquanto entidade responsável pela implementação de políticas ambientais em Portugal, não está a proteger os cidadãos, nem os ecossistemas locais. Veja-se: de acordo com o artigo 5.º do regime jurídico da avaliação de impacte ambiental, na última redação que lhe foi dada pelo Decreto Lei n.º 11/2023 de 10 de Fevereiro,  prescreve como um dos objetivos da AIA, “ a) Identificar, descrever e avaliar, de forma integrada, em função de cada caso particular, os possíveis impactes ambientais significativos, diretos e indiretos, de um projeto e das alternativas apresentadas, tendo em vista suportar a decisão sobre a respetiva viabilidade ambiental, e ponderando nomeadamente os seus efeitos sobre :i) a população e a saúde humana (…)”. Ora, para já vamos focar-nos na expressão “forma integrada”. Integrar é juntar; é o contrário de separar; é reunir num mesmo sítio. O legislador não pretendeu que um projeto com várias subprojectos fosse partido aos bocados; não quis que um projeto similar àquele que é objeto da consulta pública, tem uma parte correspondente à implementação de uma central fotovoltaica e outra correspondente à construção de uma linha de muito alta tensão, fossem separados, ainda que se dê a entender que no estudo de impacte ambiental está tudo “integrado”. Estamos a ver agora que não está, nem nunca esteve. Assim sendo, se a APA quer ficar associada a coisas destas, os particulares, os cidadãos não ficarão. Haja uma réstia de bom senso e de vergonha para que não passe a ideia de que há uma conivência total entre o promotor e a APA e que esta, despe as suas vestes de entidade de salvaguarda dos valores ambientais para passar a ser uma repartição de licenciamento de projetos. 
  1. A DIA e o RECAPE não são cientificamente sólidos e o modus operandi da APA contraria diretos humanos. Uma vez porque nunca poderiam ter passado por cima dos estudos que já se fizeram sobre os efeitos das linhas de muito alta tensão a construir no âmbito do projeto da Central fotovoltaica do Cercal. Não o fazer contraria os objetivos da AIA plasmados no artigo 5.º do regime jurídico da avaliação de impacte ambiental. Igualmente, o direito à proteção da saúde e o dever de a defender são, direito e dever, fundamentais consagrados no artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa. Concretamente, este direito tem uma dimensão positiva, mas também uma dimensão negativa. Cada um de nós cidadãos tem um direito subjetivo a que o Estado e terceiros se abstenham de prejudicar o bem jurídico saúde (Ac. TC n.º 423/08). Ora, nem sequer avaliar a existência de perigo para a saúde humana num projecto como o que é objecto da presente consulta pública, é violar a dimensão negativa do direito constitucional. Acresce que esta violação vem embrulhada na mais completa desconsideração da inversão do ónus da prova em matéria ambiental. Acresce que esta violação vem embrulhada na mais completa desconsideração da inversão do ónus da prova em matéria ambiental.

Quando a APA escolhe virar a cara para o lado relativamente às lacunas, da DIA e, agora, do RECAPE, aceitando que o promotor alegue que – apenas a título de exemplo – a central fotovoltaica (e a LMAT) não têm efeitos nocivos sobre a saúde humana e não exija que essa alegação seja corroborada por prova, está a violar, de forma despudorada a al. c) do artigo 3.º da Lei de Bases da Política de Ambiente.

Artigo 3.º – Princípios materiais de ambiente

A atuação pública em matéria de ambiente está subordinada, nomeadamente, aos seguintes princípios:

(…)

c) Da prevenção e da precaução, que obrigam à adoção de medidas antecipatórias com o objetivo de obviar ou minorar, prioritariamente na fonte, os impactes adversos no ambiente, com origem natural ou humana, tanto em face de perigos imediatos e concretos como em face de riscos futuros e incertos, da mesma maneira como podem estabelecer, em caso de incerteza científica, que o ónus da prova recaia sobre a parte que alegue a ausência de perigos ou riscos;

Neste caso, nomeadamente, mas não exclusivamente, no caso da saúde humana, a prova não está feita. Remeter para a bibliografia internacional não é aceitável, pois simplesmente não corresponde à realidade. Para avaliar um impacto ambiental-, social- e economicamente de um projeto tem que se fazer uma análise na integra e não fragmentado aleatoriamente em pedaços burocratizados.

Embora fora do âmbito de avaliações singulares e algo míopes, defendemos que os megaprojetos de energia renováveis, incluindo LMAT´s, deveriam ser alvo de Avaliação Ambiental Estratégica, em que se contemple como opções várias combinações de produção descentralizada em centros urbanos (aproximando produção do consumo) com produção em centrais mais afastadas de centros urbanos. A produção descentralizada tem menos perdas no transporte, aproveita espaços pouco ou nada utilizados e não tem impactos de RAN, REN e RN2000 como a maioria dos megaprojetos têm atualmente. 

Ao exposto acima, junta-se uma nota de desagrado com as condições de participação: tendo sido iniciada a consulta pública do RECAPE da linha de muito alta tensão da Central Fotovoltaica do Cercal em 29/07/2024 e após consulta aos ficheiros disponibilizados no Participa no dia 30/07/2024, verificamos que os ficheiros denominados: anexo II-3, anexo I – 3 e anexo III-3, quando clicados, devolviam uma tela branca com a mensagem de “Bad Request”. Considera-se que esse lapso prejudicou a participação informada e efetiva do público interessado. 

Face às razões aduzidas este RECAPE deve ser rejeitado através de uma apreciação desfavorável. Assim tem-se: 

  • Não dá cumprimento satisfatório ao inscrito na DIA favorável condicionada, referente ao Projeto avaliado em fase de Execução. 
  • Omite efeitos cumulativos e amplia falhas já notadas no EIA,
  • Não contribui para comunidades saudáveis em ecossistemas saudáveis,
  • Promove a desvalorização da tão almejada Transição Energética. 

Não rejeitar o projeto significa compactuar com a destruição de habitats (corredor ecológico); significa perpetuar a verdadeira falta de avaliação de impacte ambiental que existiu para a LMAT; significa ignorar os perigos que a construção desta linha pode ter para a saúde humana, sem sequer exigir do promotor que seja feito um estudo sobre possíveis impactes do projeto sobre a saúde humana. Portanto, mantem-se a discordância ao RECAPE e a oposição ao projeto como um todo.