O Afrolink noticiou que a 25 de Janeiro, três anos depois de Cláudia Simões ser violentamente agredida por Carlos Canha, um agente da PSP, “o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu pronunciar Cláudia Simões pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada”, apesar das conclusões anteriores do Ministério Público.
Cláudia Simões não só foi vítima de uma agressão racista, como é agora perseguida pelos tribunais portugueses, em conluio com a polícia.
Em 2020 Cláudia Simões ficou conhecida após o episódio de violência de que foi vítima, por causa de um problema com um passe de autocarro. Na altura o episódio foi filmado e toda a gente o viu.
À época o diretor da PSP defendia o agente dizendo que via apenas “um polícia a cumprir as suas obrigações e as normas que estão em vigor na PSP”, não tendo visto “qualquer infração”.
Uma semana mais tarde, o motorista que causou o incidente racista foi agredido, e fez queixa nova de Cláudia, que nada teve a ver com esta agrssão. Este motorista não é de todo uma vítima, é um sintoma do racismo português, tendo sido ele a chamar a polícia contra Cláudia Simões da primeira vez.
Dois anos depois o Ministério Público quis levar três polícias a julgamento pelas agressões a Cláudia Simões: Carlos Canha, João Gouveia e Fernando Rodrigues, três dos seus agressores.
Em 2021 o MP chega à conclusão que “Carlos Canha praticou os factos com flagrante e grave abuso da função em que estava investido e com grave violação dos deveres de isenção, zelo, lealdade, correcção e aprumo” e “indignidade no exercício dos cargos para que tinha sido investido tendo, como consequência direta, a perda de confiança necessária ao exercício da função”.
“No trajeto de cerca de 3 km entre a R. Elias Garcia e a esquadra do Casal de S. Brás, para onde foi conduzida, o arguido Carlos Canha, aproveitando-se do facto de a ofendida se encontrar algemada e na impossibilidade de resistir, logo que a viatura iniciou a marcha, disse-lhe “agora é que te vou mostrar, sua puta, sua preta do caralho, seu caralho, sua macaca”, isto enquanto lhe desferia vários socos na cara. Enquanto se tentava proteger, baixando a cara para não ser atingida, o arguido Carlos Canha dizia-lhe “estás a baixar a cara, caralho” e “ainda por cima esta puta é rija”, tendo à saída da viatura junto à esquadra o arguido Carlos Canha desferido um pontapé que a atingiu na testa. Os arguidos Fernando Rodrigues e João Gouveia nada fizeram que impedisse a continuação da agressão por parte do seu colega”.
O relatório médico descrevia: “Traumatismo cranioencefálico frontal e trauma facial com edema exacerbado generalizado, edema dos lábios, com feridas dispersas, trauma da pirâmide nasal (…). Apresenta face deformada por hematomas extensos em toda a face, principalmente na região frontal à esquerda, ferida traumática no lábio inferior e superior com pequena hemorragia ativa”.
As imagens de videovigilância que “constituíam um meio de prova essencial” foram destruídas pela polícia de forma ilegal.
Em 2023, foi revelado que Carlos Alexandre (o problemático magistrado que agora persegue Mamadou Ba em defesa de um neo-nazi) irá defender Carlos Canha, o agressor de Cáudia Simões em tribunal.
Agora, Cláudia Simões “será ouvida em tribunal na qualidade de vítima e de agressora, recaindo sobre ela a suspeita do crime de ofensas à integridade física.” *
Este é um novo ataque racista das forças policiais que tudo tentam para continuar a perseguir Cláudia Simões. A RR disse que “A mulher, que, entretanto, foi constituída arguida e sujeita à medida de coação de termo de identidade e residência, foi indiciada dos crimes de resistência e coação sobre funcionário e ofensas à integridade física de que era acusada pelo polícia. Mas o MP, e agora a juíza de instrução, arquivou o inquérito por considerar que não havia provas contra si.”
Apesar destas conclusões do Ministério Público, o Tribunal da Relação acaba de recuperar estas queixas por parte da polícia, e acusa agora Cláudia Simões de ser ela própria a agressora.
Além de tudo isto, há um problema maior com a justiça portuguesa, personalizada pelo juíz Carlos Alexandre, que quer defender Carlos Canha, o agressor de Cláudia Simões em tribunal, e que agora ataca Mamadou Ba, militante antiracista, em defesa de Mário Machado, o neonazi.
Em Fevereiro, uma Carta Aberta assinada por centenas de pessoas e associações, publicada na Afrolink começou a circular, em apoio a Cláudia Simões:
Criminalizar Vidas Negras para Absolver o Sistema
No passado dia 25 de janeiro, três anos volvidos sobre as agressões, do agente da Polícia de Segurança Pública (PSP) Carlos Canha, a Cláudia Simões, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu pronunciar Cláudia Simões pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada. Isto é, contrariando as decisões anteriores do Ministério Público (MP) e do Juiz de Instrução, Cláudia Simões não irá a julgamento somente na qualidade de vítima, mas também sob suspeita de ter agredido o agente da PSP. Já Carlos Canha irá a julgamento por oito crimes que contemplam injúria e ofensas à integridade física agravada, sequestro e abuso de poder, enquanto João Gouveia e Fernando Pereira são acusados de um crime de abuso de poder, pela omissão de auxílio à vítima, Claúdia Simões. Acrescente-se ainda que, nessa mesma noite, no interior da Esquadra do Casal de S. Brás, Carlos Canha agrediria ainda outras duas pessoas, uma das quais havia filmado a agressão a Cláudia Simões. Carlos Canha foi ainda, mais recentemente, citado na reportagem Quando o Ódio Veste Farda (2022) por integrar uma base de dados de 591 elementos das forças de segurança que alegadamente cometem crimes de ódio nas redes sociais.
A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa é, em certa medida, inusitada, já que, ao que tudo indica, preferiu ancorar-se no testemunho de uma das pessoas agredidas na Esquadra obtido imediatamente após as agressões, do que nas declarações prestadas pelo mesmo, mais tarde, ao MP, à partida mais fidedignas por não terem sido prestadas num contexto de possível coação. A acusação que pende agora sobre Cláudia Simões parece, de algum modo, legitimar a ideia de que a violência a que todes assistimos foi, afinal, uma consequência dos seus atos. Ou seja, criminalizar a vítima parece servir para desculpabilizar o agressor, trilhando um caminho para a absolvição pública e judicial do agente Carlos Canha, mas sobretudo do sistema.
Assim, ao contrário do que apurou o MP, a história que vai a julgamento não é aquela de uma mulher negra, agredida em frente à sua filha de 7 anos, por um agente da PSP, com formação em artes marciais; mas a história de um motorista e de um polícia que percecionam esta mulher como ameaça, reificando o imaginário histórico de uma mulher negra, corpulenta, descontrolada, agressiva – intimidante.
O uso da “perceção de perigo” como argumento justificativo para a violência policial lembra-nos histórias recentes, como o caso da Esquadra de Alfragide. Aí, também a “perceção de perigo”, da pretensa “invasão de esquadra” por um grupo de homens negros, que terá sido sentida pelos polícias, pesou para atenuar a gravidade dos seus crimes/condenações, como se de uma prova material se tratasse. E, embora a condenação por crimes graves tenha sido, posteriormente, confirmada pela Relação, os agentes continuam inaceitavelmente em funções.
O arrastar deste processo em recursos consecutivos parece ser uma tentativa de retirar a relevância pública e política de um evento que chocou o país e que ocorreu pouco tempo antes da morte de George Floyd às mãos da polícia que aplicou técnicas de imobilização semelhantes sob o pescoço. Pode-se igualmente esperar, seja pela prática corrente dos tribunais portugueses, seja pela postura reiteradamente negacionista dos mais altos responsáveis da PSP e do Governo, que a dimensão racial que atravessa este caso nem venha a ver a luz do dia.
A agressão de Carlos Canha a Cláudia Simões não foi um ato isolado: as pessoas negras e Roma/ciganas na periferia são institucionalmente mais vigiadas e violentadas pelo aparelho repressivo do Estado. A decisão do sistema de justiça sobre este caso não pode continuar a reproduzir a impunidade da violência policial contra pessoas racializadas.
Por tudo isto, cá estaremos – vigilantes, atentes – com Cláudia Simões, por todes nós!
Justiça para Cláudia Simões e para todes es sobreviventes da violência policial!
Carta Aberta: Criminalizar Vidas Negras para Absolver o Sistema
A SOS Racismo condena a legitimação da violência racista pelo juiz Carlos Alexandre:
Mário Machado foi fundador e antigo dirigente da Frente Nacional, membro do grupo Hammerskins Portugal e fundador e dirigente do movimento nacionalista neonazi, Nova Ordem Social. Condenado a mais de 10 anos de prisão por diversos crimes, incluindo as ofensas à integridade física qualificada no contexto do ataque da noite de 10 de Junho de 1995, de que resultou o assassinato de Alcindo Monteiro. Foi ainda condenado por coação agravada, posse ilegal de armas, posse de arma proibida, crime de incitamento ao ódio e à violência, discriminação racial, difamação, sequestro e extorsão. Mas mais recentemente, beneficiou de uma surpreendente benesse que a justiça portuguesa resolveu conceder-lhe: o levantamento da medida de coação de TIR para “ir para a Ucrânia prestar ajuda humanitária”. A este propósito, Mário Machado anunciou publicamente a intenção de se juntar a um grupo de portugueses e viajar para se juntar a uma milícia de extrema-direita. Ao levantar a medida de coação a que era sujeito, o Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa outorgou a Mário Machado uma licença para matar, eficaz não fosse o regime ucraniano ter sido mais perspicaz do que a justiça portuguesa. Este militante neonazi é também hoje arguido num processo de incitamento ao ódio e violência contra mulheres de partidos de esquerda. É este o mesmo sujeito que apresentou uma queixa- crime por difamação contra Mamadou Ba.
Carlos Canha é referido na investigação de jornalistas “Quando o Ódio Veste a Farda” (2022) fazendo parte de uma base de dados de 591 elementos das forças de segurança que, alegadamente, cometem crimes de ódio nas redes sociais. Este agente integrou o Corpo de Segurança Pessoal da PSP, tendo acompanhado o Juiz Carlos Alexandre durante vários anos. Em janeiro de 2020, Cláudia Simões foi por ele selvaticamente agredida, imobilizada e algemada, frente à sua filha, junto a uma paragem de autocarros, por esta não ter título de transporte. Foi ainda violentamente agredida dentro do carro-patrulha e na esquadra, à frente de dois agentes que nunca a socorreram e nada fizeram para pôr termo à violência a que estava a ser submetida. Numa primeira reação, o diretor nacional da PSP Magina da Silva, desvalorizou as agressões que Claúdia Simões sofreu, dizendo não ter visto “qualquer infração” no vídeo da detenção, mas “apenas um polícia a cumprir as suas obrigações e as normas que estão em vigor” na polícia. O facto de Cláudia Simões ter sido encontrada inconsciente, no exterior da esquadra da PSP, em Casal de São Brás, terá sido justificado com uma “queda”. É esta a mesma direção da PSP que emite um comunicado de imprensa descartando a “motivação racista” do assassinato de Bruno Candé. Apesar das bárbaras agressões a Cláudia Simões por Carlos Canha, a que o país inteiro assistiu, porque estão gravadas, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu pronunciar a vítima, Cláudia Simões, arguida pela alegada prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada na pessoa do referido agente da PSP.
Carlos Alexandre é Magistrado, tendo sido responsável pelo Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa. Foi quem pronunciou para julgamento o militante antirracista, Mamadou Ba, na sequência da apresentação da queixa-crime pelo neonazi, Mário Machado, por difamação. Este mesmo Juiz Carlos Alexandre considera haver lugar à “defesa da honra” de Mário Machado, por este criminoso neonazi – que integrou ativamente e em posição de destaque o grupo que na noite de 10 de Junho de 1995 agrediu e perseguiu diversas pessoas negras, sem qualquer motivo a não ser racial – ter sido referido como um dos principais responsáveis pelo assassinato, nessa noite, de Alcindo Monteiro. O mesmo Carlos Alexandre aceitou ser testemunha abonatória, três anos depois das agressões a Claúdia Simões, do agente da PSP Carlos Canha, no processo em que este responde por elas.
Confirma-se, pois, a crónica impunidade de agentes de autoridade responsáveis por crimes racistas. Que um agente da justiça como o Juiz Carlos Alexandre aceite depor como testemunha abonatória do agente agressor, Carlos Canha, denuncia e sublinha a normatividade com que a agressão é tratada, com todas as consequências que daí temos visto decorrerem: a apologia da ideologia neonazi, fascista, nacionalista, racista e xenófoba.
Carlos Alexandre é o retrato de uma certa sociedade e de uma certa justiça que não nos cansaremos de denunciar e combater: enquanto premeia a defesa de honra de um declarado e nunca arrependido criminoso racista neonazi, leva a tribunal um defensor dos direitos humanos, ao mesmo tempo que abona a favor de um agressor, comprovadamente racista, de uma mulher negra indefesa. A forma célere como confirmou a acusação particular de um neonazi contra um militante antirracista negro e a sua provável anuência em abonar a favor de um agressor racista contra uma mulher negra, colocam Carlos Alexandre como protagonista de uma estratégia política de normalização do racismo e de banalização da violência dele decorrente.
Pode o magistrado invocar o direito para justificar os seus posicionamentos e atos – o certo é que nenhum preceito legal autoriza a legitimação do racismo.
SOS Racismo condena a legitimação da violência racista pelo juiz Carlos Alexandre
17 de Fevereiro de 2023