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“Quando há discriminação racial, não há democracia” Entrevista com Mamadou Ba

No dia 1 de maio entrevistamos Mamadou Ba, importante ativista anti-racista sobre o Julgamento no qual este é acusado pelo Neo-Nazi Mário Machado de “difamação”.

“Eu acho que este processo como todos os outros em que estou envolvido, não tem a ver comigo pessoalmente, mas tem a ver apenas com aquilo que eu represento no imaginário da extrema direita e da direita reacionaria, que é colocar o antiracismo no banco dos réus, com dois objectivos principais:

O primeiro é o de silenciar qualquer hipótese de criação de uma alternativa a uma sociedade racista, colonialista, machista, homófoba, xenófoba… é disso que se trata, portanto, é silenciar uma proposta alternativa de um antirracismo consequente.

A segunda é intimidar, restringir, acantonar a possibilidade dessa luta alargar e tomar dimensões mais transversais. Por exemplo, estamos no primeiro de maio. O primeiro de maio é absolutamente crucial para percebermos aquilo que nós no jargão do antirracismo chamamos da linha da cor. Porque é que há trabalhadores racializados, que sofrem maior exploração laboral por exemplo na área da agricultura, da construção civil, da restauração… porque efetivamente há um racismo estrutural que permeia as relações económicas, políticas na nossa sociedade.

Portanto o primeiro de maio e o 25 de abril são datas absolutamente cruciais para nós voltarmos a afirmar a necessidade de descolonizar, desenvolver e democratizar. Porque não há democracia onde parte da sociedade está menorizada, excluída, marginalizada… Isto não é democracia. Não há desenvolvimento enquanto uma parte da sociedade não tem condições de vida. E muito menos desenvolvimento quando há pessoas que estão excluídas, marginalizadas em função da sua pertença étnico-racial ou da sua pertença religiosa.

Quando há discriminação racial, quando há discriminação tout court não há democracia, não há desenvolvimento, não há descolonização.

Portanto, para mim, o que é importante discutirmos cada vez mais é como é que nós vamos ter um programa antirracista articulado com um programa anti-capitalista. Para rompermos com o cerco que a direita e a extrema-direita pretendem fazer ao antirracismo político.

O problema, é, aliás, a estratégia da extrema direita é: a intimidação, o cerco, o acantonamento, o isolamento. E é preciso nós resistirmos a isso. Toda a estratégia da extrema direita tem sido usar as ferramentas institucionais, nomeadamente os tribunais, as forças de segurança para chantagear, exercer uma pressão contra o ativismo antirracista, e todos os outros ativismos que possam criar uma alternativa política ao atual sistema.

Mas eu acho que a resposta também tem sido boa, a nossa capacidade de mobilização, a solidariedade que se tem visto um pouco por todo o país, mostra que há um alargamento da consciência coletiva sobre a necessidade de nós, não só construirmos um cordão sanitário à volta das instituições, defendermos a democracia. Defender a democracia é estarmos sempre do lado, e em pé, do lado de quem resiste, de quem luta e quem combate a extrema direita, as forças reacionárias, que estão a ganhar mais agressividade porque encontraram através do Chega, uma via verde no parlamento. O Chega tornou-se o megafone do racismo mas larvar, mais reacionário. Ou seja há uma legitimação cada vez maior através da disputa democrática com o Chega e outras forças reacionárias e é contra isso que nós temos de nos posicionar, é sobre isso que temos de lutar e construir alternativas. E é com todas estas pessoas que querem colocar termo ao avanço do neoliberalismo racista, machista, neo-colonial que nos temos de organizar cada vez mais, e é por isso que nós estamos aqui.”

ACUSAM UM, RESPONDEMOS TODES

Manifestação de apoio a Mamadou Ba convocada para 26 de Abril e 10 de maio.

Dia 26 de Abril, 14h no campus da Justiça

Dia 10 de maio, 14h,* concentração no Campus da Justiça

(*sessão de alegações finais)

Convocam:
Bazofo | Cavaleiros de São Brás | Consciência Negra | Djass | Emcarneeosso | Kilombo | SOS Racismo

O Setenta e Quatro entrevistou Mamadou Ba, importante ativista anti-racista sobre o Julgamento no qual este é acusado pelo Neo-Nazi Mário Machado de “difamação”.

Em causa está um post que Mamadou Ba fez nas redes sociais, onde relevava o facto de que Mário Machado esteve envolvido nas agressões que levaram ao assasinato de Alcindo Monteiro em 1995.

Mario Machado é um neo-nazi, e foi “condenado a mais de 10 anos de prisão por diversos crimes, incluindo as ofensas à integridade física qualificada no contexto do ataque da noite de 10 de Junho de 1995, de que resultou o assassinato de Alcindo Monteiro.”

Além de Mário Machado, há ainda o juíz Calos Alexandre que pronunciou o julgamento do militante anti-racista Mamadou Ba, “na sequência da apresentação da queixa-crime pelo neonazi por difamação”.

Mamadou Ba disse que: “A partir de uma instrumentalização da Justiça, as franjas mais violentas da extrema-direita procuram organizar-se e articular discursos e hegemonizar a sua prática narrativa.”

Para o ativista, quem está em julgamento não é ele próprio, mas sim o anti-racismo.

Mamadou Ba defende também na entrevista que: “Vestir esta pele da vítima legitima a narrativa de branqueamento dos crimes que [Mário Machado] praticou. Este processo é, em parte, e com a ajuda do Estado, uma reformulação da organização da extrema-direita mais violenta dos grupúsculos neonazis no nosso país. Isto é lamentável.”

O Setenta e Quatro diz que: “Em causa está uma publicação no Facebook em que Mamadou Ba alegadamente acusou o neonazi de ter assassinado Alcindo Monteiro no Bairro Alto, em 1995. O extremista de direita, condenado por crimes tão diversos como agressões, posse ilegal de arma, ameaças, difamação, sequestro, roubo, discriminação racial, entre outros, sentiu-se “ofendido na sua honra” e processou o ativista antirracista. E o juiz Carlos Alexandre considerou, com o apoio do Ministério Público, que Mamadou Ba deveria ser julgado.”

Mamadou Ba é um ativista anti-racista e fundador da SOS Racismo.

Uma petição racista e maclisiosa circulou na internet dos trolls neo-nazis “exigindo” a “expulsão” de Mamadou Ba de “Portugal” por “caluniar” Marcelino da Mata, militar favorito da extrema direita por ser negro, num Portugal imperialista e fascista durante as guerras de libertação africanas, e muito “celebrado” pelos neo-nazis.

A campanha “Chamar os bois pelos Nomes” reuniu mais de meio milhar de depoimentos de apoio a Mamdou Ba online: “Mamadou não está sozinho porque este processo de que tem de se defender em tribunal é um processo contra todas as pessoas que lutam diariamente contra o racismo e todas as discriminações. Muitos dos depoimentos aqui recolhidos afirmaram-no claramente: Mamadou Ba são todas as pessoas que combatem o racismo e querem uma sociedade livre e de iguais. Este é um processo contra a inteligência elementar e contra o direito de livre expressão, é sintoma declarado de que  as instâncias judiciais que levam Mamadou a tribunal se deixam instrumentalizar pela agenda da extrema-direita mais violenta, na defesa do “bom nome” de gente que mata, violenta e faz do ódio a sua bandeira. Mamadou Ba não está sozinho porque somos muitas as pessoas que não viram a cara à violência racial de que foi alvo Cláudia Simões, à barbaridade do assassinato de Bruno Candé ou à justa indignação dos jovens do Bairro da Jamaica. Mamadou Ba nunca estará sozinho porque a impunidade perante a violência policial como aquela que aconteceu na esquadra de Alfragide, acabou, ou porque as mortes sem explicação dentro das prisões, como a de Danijoy em 2020, não ficam mais sem resposta.”

A SOS Racismo publicou o seguinte comunicado:

ACUSAM UM, RESPONDEMOS TODES SOLIDARIEDADE COM MAMADOU BA

“Pelo seu percurso de mais de 20 anos de luta e denúncia das desigualdades raciais na sociedade portuguesa, Mamadou Ba tornou-se alvo de ataques públicos inflamados que o demonizaram publicamente e lhe valeriam ameaças de morte, pedidos de expulsão, intimidações, insultos quotidianos e queixas judicias que acabariam por ser arquivadas. Porém, o que assistimos em 2022, quando o MP e o juiz Carlos Alexandre decidem acompanhar a queixa do neonazi Mário Machado é um outro nível de intimidação no sentido de silenciar Mamadou Ba, já que, desta feita, a descontextualização e hiperbolização das suas denúncias visa condená-lo em julgamento com início dia 11 de abril, às 14h, no Campus da Justiça (Parque das Nações).

No dia 26 de outubro, em menos de 24 horas, o juiz Carlos Alexandre – agora, sabe-se, testemunha abonatória do agente da PSP Carlos Canha, que agrediu Cláudia Simões, em Janeiro de 2020 – pronunciou Mamadou Ba por difamação a propósito de uma publicação do ativista nas redes sociais em que diz que Mário Machado é uma “das figuras principais do assassinato de Alcindo Monteiro”.

Este é um caso eminentemente político, em que através dos tribunais se Iguala um representante de uma força genocida a alguém que sempre lutou pela igualdade e se cauciona indiretamente a narrativa de que ‘racismo’ e ‘antirracismo’ são duas faces de uma mesma moeda. Todo este aparato é também, e sobretudo, um sinal claro para que o movimento negro e antirracista se cale.”

SOS Racismo: ACUSAM UM, RESPONDEMOS TODES SOLIDARIEDADE COM MAMADOU BA
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