DIA 4 DE AGOSTO – MARTIM MONIZ
https://www.instagram.com/sempapasnalingualx/
Apesar do esforço de todos os espaços – políticos e mediáticos – para criar um discurso único sobre a recepção da Jornada Mundial da Juventude – como se fosse meramente uma celebração religiosa -, não esquecemos que o objetivo deste evento é político, e que é através da ocupação do espaço público que a igreja continua a reafirmar o seu domínio.
A igreja católica continua vinculada à construção de poder e, através da intrusão de valores e normas, continua a exercer um controlo social e cultural na nossa sociedade. Os dogmas da religião interferem na construção do poder popular e no poder de decisão das comunidades marginalizadas – ao quererem privar-nos da liberdade e autonomia dos nossos corpos.
Com a imposição das suas hierarquias exigem-nos submissão.
Mas nós não esquecemos – nós somos a insubmissão.
Não esquecemos o papel da igreja no aprisionamento de pessoas que, em conjunto com o Estado, criou um castigo aparentemente moral, afastando-se dos bárbaros e públicos castigos da época medieval e remetendo-os para o oculto – criando a prisão. Prisão essa que diz “corrigir” todo e qualquer comportamento que infrinja a ordem pública.
Não sabíamos nós é que essa “correção” significaria 60 mortos por ano nas prisões portuguesas e trabalho escravo com reclusos a receber 2 a 3€ por dia, ou cêntimos para construir os confessionários para as Jornadas.
O encarceramento afeta mais de 14 mil crianças graças à reclusão de pelo menos uma figura cuidadora. Isto demonstra a hipocrisia da igreja, ao se auto-intitular defensora de uma moral social virtuosa que deve ser imposta às crianças, ao mesmo tempo que as reprime, violenta e oprime. Afirma-se como protetora de uma suposta ameaça de “ideologia de género”, que consideram contrária aos “desígnios de deus”. Sabemos que estes dogmas não passam de uma cultura ocidental assente na hegemonia da masculinidade branca. E tudo se complica ainda mais quando nos apercebemos dos resquícios da Inquisição na sociedade contemporânea ao observamos casos muito claros de métodos de tortura psicológica, como são exemplo as terapias de conversão sexual. A igreja católica é inerentemente patriarcal e vincula, assim, estruturas binárias de género. Submete a mulher a um papel inferior, ao condenar a prática do aborto. Quer nos retirar a autonomia sobre os nossos próprios corpos e relegá-los à margem, por serem contrários aos seus desejos de uma sociedade submissa pela sua ordem.
Mas a hipocrisia não acaba aqui. Revoltamo-nos contra a tradição histórica de abusos sexuais a menores por parte da igreja. Nas últimas sete décadas, mais de 4.800 crianças foram abusadas sexualmente no seio da igreja católica em Portugal. Essas práticas, que a doutrina cristã aparentemente condena e que seriam punidas dentro e fora da igreja, e que são comprovadamente factuais, envolvem todo um secretismo quase impossível de penetrar. Estas crianças e pessoas vítimas foram e são continuamente silenciadas pela cultura secretista presente na igreja e por superiores hierárquicos.
A denúncia dos casos de abuso sexual na igreja católica abala a sua estrutura, ao que a igreja resiste através do encobrimento sistémico.
Que instituição é esta a quem se permite a concessão de penas e amnistias ao representante da igreja que violenta a diversos níveis inúmeras pessoas? E que estado laico é este que faz depender a liberdade de pessoas encarceradas de uma figura religiosa?
Não esquecemos o envolvimento estrutural da igreja no Colonialismo. O passado de violência do cristianismo é uma ferida que não sara. A igreja tem sangue nas mãos que o seu ouro limpo esconde. As nações imperialistas justificavam-no com teorias religiosas de fundamentação racista – a ideologia de superioridade racial do branco, europeu em relação aos povos colonizados. Não esquecemos o número infinito de vítimas da igreja que, ao longo de vários séculos de dominação, se têm sacrificado em nome de um Deus.
Não esquecemos os inúmeros despejos ilegais na cidade, a perseguição aos imigrantes, o “varrimento” de pessoas sem abrigo das ruas, como é exemplo a Avenida Almirante Reis e toda a arquitetura hostil contra as pessoas sem abrigo. Não esquecemos a ocupação do espaço público por parte da igreja, com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa com pelo menos 40,2 milhões de euros.
Enquanto isto acontece, as pessoas continuam sem habitação digna e os pobres continuam pobres, a dormir nas ruas – mais ou menos escondidos do público. Num espaço de dias, as portas do metro irão abrir-se durante a noite nas JMJ, para servirem de abrigo aos peregrinos, mas não para quem diariamente pede apoio social e habitação digna ao Estado – ou à igreja. Até a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa despeja pessoas das suas casas de apoio social.
Percebemos que o dinheiro não é um problema, mas sim os pobres.
Sabemos que todes nós sofremos de uma maneira ou de outra às mãos de um catolicismo podre e bafiento. Mesmo aqueles que por se considerarem crentes, se auto-martirizam, se submetem às hierarquias e se substimam. A igreja tira-nos os meios da nossa própria autonomia. Diz-se amiga dos pobres, mas age historicamente como aliada dos ricos.