Ao Executivo Camarário
Câmara Municipal de Grândola
Grândola, 22 de maio de 2023
Exmos. Senhores,
A associação Proteger Grândola considera que o comunicado à imprensa divulgado pela Câmara Municipal de Grândola (“CMG”) a 17 de maio, intitulado “Empreendimentos turísticos na faixa litoral / Esclarecimento”, não é mais do que uma tentativa ardilosa de desresponsabilização do atual executivo camarário. Desresponsabilização das escolhas que fez e que terão graves impactos urbanísticos e irão provocar uma evidente disrupção na ocupação do território, levantando, naturalmente, enormes preocupações ambientais e sociais junto da população local. Será que o “esclarecimento” da CMG tem como objetivo condicionar a revisão em curso do Plano Diretor Municipal de Grândola (“PDM”)?
O referido “esclarecimento” emitido pela CMG faz uma retrospetiva histórica — desde os anos 60 — dos diversos planos de urbanização e ordenamento do Concelho, atribuindo a terceiros as responsabilidades da atual situação de descontrolo urbanístico.
Para tentar justificar o injustificável, a CMG alega que a cedência aos interesses do sector turístico imobiliário, “(…) foi marcado em diversos momentos, por decisões que a câmara não acompanha, (…)”, que a atuação da CMG tem se pautado pela defesa da sustentabilidade do território, e que “(…) a Câmara Municipal de Grândola tem vindo, dentro das suas competências, a tentar corrigir, conciliando desenvolvimento turístico com proteção ambiental, corrigindo anteriores decisões, (…)”.
Será mesmo assim?
1) O que a CMG se esquece de dizer é que desde o 25 de Abril de 1974, o município de Grândola foi dominado pela mesma força política durante 37 dos 49 anos e – com a exceção dos dois últimos mandatos – sempre com maioria absoluta na Câmara e na Assembleia Municipal e que o atual Presidente da CMG lidera os destinos do Concelho faz já 23 anos. Portanto durante um período bastante representativo da retrospetiva histórica apresentada;
2) A narrativa espelhada no “esclarecimento” da CMG transmite a falsa ideia de que os atos administrativos não estão sujeitos a regras naturais de caducidade e que foi exclusivamente graças à ação corretiva dos executivos camarários liderados pelo atual Presidente que se conseguiram significativas reduções na intensidade turística do Concelho;
3) A CMG esquece-se igualmente de informar que em 2010, pouco antes do início do atual ciclo de mandatos liderados pelo Presidente António Figueira Mendes, entrou em vigor o Plano Regional de
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Carta Aberta ao Executivo Camarário de Grândola, 22 de maio de 2023
Ordenamento de Território do Alentejo (“PROT-A”). Este instrumento de ordenamento do território, que se encontra em vigor, estabelece uma intensidade turística máxima de maneira a preservar elevados níveis de sustentabilidade ambiental. No caso da sub-região do Litoral Alentejano, da qual o Concelho Grândola faz parte, o PROTA-A veio impor ao município o limite majorado de intensidade turística máxima de 1 cama turística por 1 habitante. O PROTA-A estabelece ainda que os empreendimentos turísticos não concretizados que estivessem contemplados em planos de urbanização e planos de pormenor válidos à data da entrada em vigor do mesmo, nas quais se integram as 21.800 camas turísticas das Áreas de Desenvolvimento Turístico (“ADTs”) mencionadas no Esclarecimento da CMG (“Camas Turísticas Pré-PROTA”), deveriam ser executados num prazo máximo a ser estabelecido em Plano Municipal de Ordenamento do Território (“PMOT”) nunca superior a cinco anos. Conclui-se que o executivo da CMG, dentro das suas competências, tinha e tem à sua disposição instrumentos que podiam e ainda podem levar à caducidade das Camas Turísticas Pré-PROTA. Consequentemente, a aprovação destes projetos e a manutenção destas camas turísticas é um ato deliberado da gestão municipal do atual executivo e não um condicionalismo, de atos passados de 3ºs.;
4) É também omitido que com a revisão do PDM, operada em 2017 pelo executivo liderado por António Figueira Mendes, foi realizada a transposição para o PDM a norma do PROT-A, relativa à intensidade turística, fixando-se para o Concelho de Grândola a intensidade máxima de 14.915 camas/utentes. Acontece, no entanto, que as camas presentemente programadas para o Concelho, já excluindo as intenções meramente especulativas materializadas nos Pedidos de Informação Prévia (“PIPs”) mencionadas no “esclarecimento”, excede as 30.000, números estes que são assumidos pela própria CMG. Consequentemente, a intensidade turística máxima estabelecida encontra-se largamente ultrapassada pela ação — ou “inação”… — deste executivo camarário;
5) No “esclarecimento” também não é feita qualquer referência à obrigatoriedade, da CMG sujeitar a Avaliação de Impacte Ambiental (“AIA”), aqueles projetos que gerem efeitos cumulativos sobre o meio ambiente com outros projetos existentes e autorizados para o mesmo local. O descurar por parte da CMG, da aplicação do Regime Jurídico de AIA (“RJAIA”), que entrou em vigor em outubro de 2013, tem como resultado prático o licenciamento de Empreendimentos Turísticos Isolados, que na realidade, de “Isolados” nada têm, já que se encontram implantados em espaço rustico, em áreas contíguas ou próximas. Na realidade estes empreendimentos, que começam agora a emergir no Concelho, quando analisados conjuntamente, ultrapassam largamente os limiares de camas estabelecidos no PDM e no RJAIA. Mais uma vez, a não sujeição destes projetos à Avaliação de Impactos Cumulativos, conforme estabelece o RJAIA, enquadra-se nas opções ou “omissões” adotadas pelo atual executivo camarário.
6) O “esclarecimento” da CMG menciona que a “(…) a autarquia considera que há limites que não devem ser ultrapassados, de forma a não comprometer a sustentabilidade do território (…)”. No entanto, seguindo a linha de opacidade que tem caracterizado a atuação deste executivo, esquiva-se a concretizar que limites são estes. Esta atuação opaca segue a estratégia seguida em ocasiões recentes — por exemplo, no anúncio feito em agosto de 2022, no seguimento de uma reunião do Presidente da Câmara com os principais promotores turístico-imobiliários do Concelho — em que a CMG teria obtido o compromisso destes interlocutores para uma redução significativa do número de camas turísticas. No entanto, e atendendo ao interesse público desta informação, quando questionada pela Proteger Grândola sobre qual a real redução objeto deste compromisso e onde se encontrava a ata desta importante reunião — que levou inclusive à divulgação de um comunicado público por parte da CMG — a mesma limitou-se a responder que se tratou de uma reunião informal da qual não tinha sido elaborada qualquer ata;
7) O “esclarecimento” da CMG informa ainda que, em 2022, a CMG suspendeu o PDM de forma a travar o licenciamento de novos empreendimentos turísticos na faixa litoral do concelho. No entanto, uma vez mais, esquece-se de mencionar que os empreendimentos turísticos Pré-PROTA, que constituem a maior fatia das camas turísticas programadas para o Concelho, se encontram excecionadas desta suspensão, avançando os respetivos licenciamentos a grande velocidade junto dos serviços camarários;
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8) O “esclarecimento” transmite ainda a imagem de uma CMG dialogante com a sociedade civil e aberta a contributos desta mesma sociedade civil. No caso da Proteger Grândola, a CMG tem vindo a obstaculizar a consulta de processos e informação pública, responde apenas a pedidos de esclarecimentos em casos “in
extremis” e não avança quaisquer respostas ou sequer retorno às propostas formuladas para a melhoria do Concelho. O convite formulado ao Presidente da CMG para participar na Sessão Pública promovida pela Proteger Grândola em 18 de abril, em que se debateram as consequências ambientais e sociais dos grandes investimentos em curso no Concelho, é sintomático desta conduta, já que nem sequer resposta mereceu por parte deste.
9) O compromisso assumido pela CMG no “esclarecimento” com um “(…) desenvolvimento do concelho de forma equilibrada e harmoniosa, sempre em prol da melhoria da qualidade de vida da população (…)“ não tem sustentação pois a CMG (a) não dispõe de estudos técnicos que afiram a globalidade dos impactos ambientais que estão a ser criados pelos projetos já licenciados e em vias de serem licenciados; (b) a CMG não se respalda em qualquer plano de desenvolvimento integrado do Concelho; e (c) a CMG não apresentou à população qualquer estratégia para o Concelho fundamentada em bases técnicas.
Por tudo o que foi acima exposto, a Proteger Grândola não se revê naqueles que insinuam que a CMG não atua “(…) para conter o impacto de operações projetadas e preservar os valores ambientais (…)”. Para que não restem dúvidas, a Proteger Grândola afirma categoricamente que a linha de atuação do atual executivo camarário não se tem pautado pela salvaguarda dos valores naturais e ambientais do Concelho, nem tampouco tem a CMG atuado como guardiã de um desenvolvimento que se quer sustentável.
Por último, e por considerarmos que os interesses de uns poucos promotores turístico-imobiliários, a maioria estrangeiros e sem quaisquer ligações ao Concelho, não se podem sobrepor aos interesses da população local, a Proteger Grândola vem lançar publicamente um repto à CMG e aos seus dirigentes.
Em prol da riqueza dos valores socio-ambientais existentes no Concelho, e atendendo a que os atuais projetos, caso venham a ser concretizados, alterarão de forma irreversível a morfologia do Concelho, a Proteger Grândola considera que urge travar os licenciamentos dos grandes projetos turístico-imobiliários. Travar para se repensar o que realmente os Grandolenses querem para o futuro do seu Concelho e travar para se planear adequadamente esse mesmo futuro.
Pelo acima exposto, fica claro que a CMG tem ao seu dispor instrumentos que lhe permitem implementar essa travagem. Por outro lado, a revisão em curso do PDM, que se pretende que seja um processo participativo, constitui uma oportunidade única para auscultar a população local sobre que futuro querem para o seu Concelho e planear o mesmo em conformidade, com recurso a estudos técnicos atuais e a uma visão contemporânea de desenvolvimento sustentável.
Com os melhores cumprimentos,
A Direção
Proteger Grândola – Associação de Defesa do Ambiente
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