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30 Anos do PER: Não temos nada a celebrar. Justiça e Reparações já

Carta aberta dos moradores e moradoras dos bairros de Santa Filomena, Estrela D’África e de 6 Maio (Amadora, Lisboa), @osdespejadosdoper:


Temos ainda na nossa memória o calor das nossas casas, perto umas das outras, nos bairros de Santa Filomena, Estrela d’África e 6 de Maio, destruídos no âmbito do Programa Especial de Realojamento, pela Câmara Municipal da Amadora (CMA), entre 2012 e 2021. Se é verdade que muitas das nossas vizinhas e vizinhos foram realojados em bairros municipais ou ressarcidos com algum dinheiro para que saíssem, nós fomos expulsos, despejados sem qualquer alternativa habitacional digna.

Somos Dulce, Braima, Mozer, Ondina, Farim, Maimuna, Helena, Avelino, Andreza, Francelina, Suzete, Carlos, Jesuína ou Maria Cristina e muitas outras pessoas que deixámos de ver ao longo do tempo; somos jovens, idosos, trabalhadoras e, na sua larga maioria, estamos doentes. Fomos despejados sem notificação prévia – como comprovaria mais tarde o provedor de Justiça; fomos despejados com intimidação e força policial, à chuva, no Inverno, pela mão de pessoas que desconhecíamos e que ostensivamente arrecadavam as nossas mais valiosas memórias em sacos do lixo, como se já não estivéssemos vivos, como se a casa não fosse, afinal, nossa.

A pressa dos despejos contrasta com o vazio deixado pelas nossas casas, em terrenos onde, até ao momento, nada foi feito, para além de servirem os interesses dos mais ricos, da especulação imobiliária.

Perante a barbárie injustificável, a CMA, muitas vezes pela voz da sua presidente, veio a público dizer que tínhamos alternativas habitacionais, que tudo era feito na legalidade. Mas, se assim era, porque pernoitámos na rua, nos escombros? Porque tivemos de ir para centros de acolhimento ou ser acolhidos por vizinhos e familiares, de favor, em casas já de si sobrelotadas? Porque alugámos casas que não podemos pagar ou quartos em outros bairros autoconstruídos que serão demolidos em breve? Porque passou o tempo e ao contrário do que versava o PER as nossas vidas não melhoraram, mas ficaram francamente piores? Porque nos tiraram o nosso único teto e reviraram as nossas hortas onde cultivávamos legumes que, hoje, inflacionados, não podemos comprar?

Hoje, dia 7 de Maio, o Programa Especial de Realojamento (PER) faz 30 anos e para as instituições isso é motivo para celebrar, mas para nós não! Exigimos justiça, reparações. Exigimos que nos restituam o que nos tiraram e que parem de nos dizer que temos de continuar a inscrever-nos na Câmara ou no Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, onde as médias de tempo de espera por uma habitação ultrapassam os 12 anos – isso é o que temos feito, sem resposta, renovação após renovação.

Braima quer poder trazer o seu filho para que o ajude a morrer melhor; Mozer e a sua avó Cristina querem voltar a morar juntos; Ondina quer não dormir mais em sítios a que dificilmente pode chamar casa; Francelina quer que não chova mais na sua casa, quer não mais temer pela chegada das máquinas; Maimuna, Andreza, Dulce e Carlos não querem escolher entre a renda, a comida ou um banho quente, nem querem que a senhoria lhes entre de rompante pela porta.

Sabemos que jamais nos podem compensar pelo trauma que nos causaram quando, pela manhã, as máquinas chegaram sem aviso e fomos retirados à força pela polícia, mas se há um novo programa de habitação, se há estratégias locais de habitação, queremos ser incluídos nelas, porque a situação em que estamos hoje foi causada pelos poderes locais e central. São anos de espera, de precariedade e incerteza. São anos de luta pelo básico: uma casa!

Somos os despejados do PER, mas somos também vizinhas e vizinhos que foram contemplados pelo programa e outras pessoas que não acham justo que não o tenham sido todos.

Em solidariedade com toda a gente que luta pelo direito à habitação e por uma vida diga. Nu sta djunto, a nos e forti!

Andresa Monteiro, Avelino Soares, Braima Baldé, Dulce Fernandes, Carlos Furtado, Elizabete Horta, Farim Baldé, Francelina Fernandes, Hirondina Moreno, Issa Baldé, Jesuína Fortes, Maimuna Baldé, Maria Cristina Agnes, Maria Helena dos Santos, Suzete Costa, Mozer Almeida e Ondina Tavares, do Coletivo de Moradores Despejados do PER da Amadora (Bairros Santa Filomena, Estrela d’África e 6 de Maio)

Em solidariedade e luta,

Amália Teixeira, Ana Rita Alves, Augusta Monteiro, Dulcineia Ribeiro, Cátia Silva, Jannis Kühne, Joseph da Silva, Maria João Costa, Simone Frangella


No dia 7 de Maio, no inicio da década de 1990 foi criado o PER ( Programa Especial de Realojamento).


O PER foi criado no âmbito de erradição de habitações precárias nas áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, conhecidas como “barracas”, cujas as condições indignas exigiam uma resposta determinada.
Hoje o PER faz 30 anos. Pode ser motivo de celebração para as instituições, mas não para OS DESPEJADOS DO PER, moradores dos bairros 6 de Maio, Estrela D´África e Santa Filomena, situados na Amadora.


30 anos após a criação do PER, estes moradores ainda não obtiveram qualquer resposta de realojamento, muitos foram despejados sem qualquer alternativa prévia de habitação, e em muitos casos com recurso à violência Policial.

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