Não há cura para a minha existência, só orgulho e resistência! 🌈
Manifesto da Marcha:
Boa tarde PORTO!!!! Boa tarde Distrito do Porto, Boa tarde a todas as pessoas que vieram de tantas zonas do distrito e de outros pontos do país, para estarmos aqui, hoje, juntes! Somos uma força incrível e transformadora!Obrigada!
Marchamos hoje com este lema:
Não há cura para a minha existência, só orgulho e resistência!
Uma das práticas que constituem um dos mais antigos marcos institucionais de violência homofóbica e transfóbica, está prestes a ser cumprido: o fim das terapias de conversão no nosso país. Quiseram converter-nos, mas converteram-nos à luta pela nossa existência, tal como ela é, tal como somos. Olhem para a pessoa que está ao vosso lado, que está à vossa frente, que está atrás de vocês: não nos rendemos e estamos aqui juntes hoje.
O fim das terapias de conversão é mais um ato de resistência e destruição do patriarcado cis/hetero/mono/normativo colonial e racista! E é com muito orgulho que lhe damos mais uma machadada, enquanto fazemos a nossa revolução sobre as suas cinzas.
Por isso, é com grande alegria e expectativa que encaramos o antecipado fim destas práticas, um passo fundamental na pauta dos direitos das populações LGBTQIA+ do nosso país, conquistada pela luta coletiva.
No entanto, o avanço da extrema-direita é uma ameaça grave à nossa liberdade. Aos direitos conquistados, vivemos uma crescente onda de intolerância e ódio no Parlamento, em Câmaras Municipais, juntas de freguesia, na comunicação social, nas televisões, nas redes sociais.
Assistimos, num espaço de meses, a um caso de transfake, episódios de violência física contra casais homoafetivos, contra migrantes, a vandalização homofóbica e sequestro da instalação artística do Évora Pride, à censura a artistas LGBT na nossa cidade, por trazerem à luz do dia o tema do colonialismo em Portugal. Tantas Marchas nasceram neste país no pós pandemia, e instituições públicas como as Câmaras Municipais continuam a negar apoio.
Mas ficamos caladas? Não!
Temos algo de profundamente incómodo que gritamos à intolerância, ao ódio e ao preconceito: não existe cura para a nossa existência, só orgulho e resistência!
Não aceitamos invisibilidade, esta também é a nossa cidade!
Para nosso espanto, onde esta Marcha hoje celebra 18 anos de existência, tentaram expulsar-nos e invisibilizar-nos. Sim, estamos a falar da cidade do Porto. No armário do Covelo, portuenses LGBTQIA+ jamais irão entrar. Fomos muito claras na comunicação social e nas redes sociais, fomos até às reuniões da Assembleia Municipal do Porto. Rejeitamos o não lugar que nos querem submeter! Não somos doentes, nem selvagens, não somos perverses, nem bestas.
Somos, sim, feras, mas feras de luta! Por isso, estamos aqui hoje no centro, com o coração da cidade do Porto a bater: a nossa existência e o nosso orgulho. A Câmara Municipal do Porto precisou de esperar por este dia histórico para ter mais de 20.000 pessoas a dizer aquilo que o Presidente da Câmara quis apagar: Senhor Rui Moreira, esta cidade não é sua, esta cidade é nossa, tão orgulhosamente nossa!
Senhor Presidente e Excelentissimos representantes deste povo que não se revêm nas políticas de invisilibilização e discriminação, não estamos esquecidas:
O Porto nosso movimento, hipocritamente aprova no Executivo da Camara Municipal do Porto a integração do Porto na rede Cidades Arco Íris só para mais tarde, o mesmo movimento, chumbar na Assembleia Municipal. Afinal o que é este movimento?
Foram os sucessivos anos de pedidos e recusas de hasteamento da bandeira LGBTQIA+ na Câmara Municipal do Porto pelas Comissões Organizadoras anteriores da Marcha do Orgulho; é o tal do Plano Municipal para a Igualdade, iniciado em 2018 e que, ao contrário do que o executivo municipal declara, ainda não tem sequer nomeada uma equipa para este plano. E então, Senhor Presidente, onde está o Progressismo?
Senhor Presidente, o povo já percebeu, o Rei vai Nú. E nós somos pela democracia, não pela nobreza dos brancos costumes!
Não há cura para a minha existência, queremos sim saúde e decência
Muitos dos atendimentos realizados por profissionais da saúde, e em particular de saúde mental, ainda nos estigmatizam. É urgente penalizar qualquer tipo de prática que negoceie as nossas identidades, que nos intimide dentro de um centro de saúde ou hospital.
Queremos um Sistema Nacional de Saúde com mais centros hospitalares com cuidados trans-específicos e equipados para nos prestar cuidados. Hoje em dia existem apenas 3 centros, com mais um a caminho, nenhum fora de Portugal Continental. Exigimos a ampliação do acesso à terapia hormonal em Portugal, para portugueses e migrantes, independentemente do estatuto ou condição socioeconómica.
Afirmamos também o direito à autonomia do corpo e o fim da discriminação, estigmatização e juízo moral, das nossas sexualidades, dos nossos modelos relacionais (dentro ou fora da monogamia); que cuidem de nós de uma forma que afirma a nossa liberdade.
Defendemos o aborto seguro, o combate à violência obstétrica, a ampliação da procriação medicamente assitida digna para todas as pessoas e o fim da sexualização e objetificação dos nossos corpos.
Lutamos também por cuidados específicos para pessoas intersexo e que se vá além da recente, mas importante vitória, da abolição das cirurgias desnecessárias a crianças intersexo. Somos pela autodeterminação e abandono do paradigma das “características sexuais” binárias. Precisamos de respostas construídas com as pessoas intersexo e que tem em conta as suas preocupações e necessidades.
Exigimos um SNS com melhores equipamentos médicos, com mais médicos de família, mais especialidades, uma melhor resposta pública na saúde mental e o acesso gratuito e sem restrições a tratamentos antirretrovirais, antibióticos, PrEP, PPEm, a ampliação de iniciativas de acompanhamento de saúde sexual descentralizadas. Serviços públicos que cheguem às pessoas LGBTQIA+, pessoas migrantes, trabalhadores do sexo e pessoas idosas. Falamos sobre o justo direito ao cuidado, em pleno,e para todas as pessoas.
Marchamos igualmente em defesa da escola pública. É fundamental uma política de fiscalização das práticas educativas, dos manuais, materiais e recursos utilizados em sala de aula que reforçam o preconceito com a diversidade das identidades. Lutamos por um currículo de formação para a diversidade e inclusão, que questione a sociedade portuguesa, a sua história colonial e fascista e que se repercutem através da violência contra as pessoas LGBTQIA+, migrantes, pessoas racializadas, pessoas ciganas. Há crianças e jovens que fogem, abandonam a escola devido ao preconceito que sofrem. É uma vergonha.
É urgente garantir a educação sexual e afetiva emancipadora e não estigmatizante, que permita prevenir a gravidez precoce, o assédio e a violência sexual contra menores, o estigma e a violência contra crianças e jovens LGBTQIA+.
Reivindicamos também o combate ao capacitismo, e defendemos a necessidade de um plano nacional para a acessibilidade a edifícios públicos, começando com o cumprimento efectivo de várias medidas já previstas na Estratégia Nacional para a Inclusão das Pessoas com Deficiência. Queremos também um plano nacional e planos municipais para cidades inclusivas. Queremos que o espaço público seja de todes e que o acesso à saúde, à educação, ao mercado de trabalho e a relação com o estado seja inclusiva para as pessoas com diversidade funcional ou intelectual.
Queremos ver também na academia a adoção de lentes interseccionais para que estudos que informam políticas públicas inovadoras considerem as múltiplas pertenças que colocam as pessoas LGBTQI+ em situações de maior vulnerabilidade. Defendemos estudos que não perpetuem um sistema binário! Falta redirecionar financiamento para a população LGBTQI+ e outras minorias sociais que são vozes fundamentais da academia, recompensando-as justamente pelas contribuições para o desenvolvimento das ciências. Não somos objetos de estudo. Somos vidas.
Porque não há educação sem cultura, queremos uma mudança do paradigma cultural português. Defendemos mais financiamento para produções artísticas que desconstruam o género, a sexualidade e a hegemonia patriarcal e dos “brancos” costumes.
É fundamental maior apoio a profissionais da cultura e das artes, mais oferta de cultura pública e mecanismos específicos para manter e ampliar os espaços culturais existentes, desde cinemas, centros culturais, bibliotecas públicas, com espetáculos e iniciativas acessíveis a todes. As artes não se rendem nem se vendem!
No Mundial de futebol no Qatar em 2022 e em tantos eventos desportivos, assistimos reiteradamente e em direto, a declarações homofóbicas, manifestações transfóbicas e racistas. Lutamos por um desporto inclusivo e que as instituições deixem de policiar os nossos corpos, que aceitem pessoas trans e intersexo na prática desportiva sem as encaixar num binário que não lhes serve. É mais que necessária formação para a diversidade na prática desportiva. Basta de ficarmos no banco!
Nos censos, exigimos a leitura de variáveis demográficas que permitam espelhar o país tal qual se apresenta, desde as populações racializadas, a agregados familiares LGBTQIA+, passando pelas pessoas migrantes e pessoas com diversidade funcional.
Defendemos o reforço da formação da polícia e das instituições públicas, para que se elimine a opressão e a violência racista e lgbtfóbica nas intervenções policiais.
Não há cura para a minha existência, exigimos habitação e independência!
Há uma crise da Habitação em Portugal. Estivemos presentes nas manifestações pelo Direito à Habitação, e até hoje, não temos respostas e o problema agrava-se dia após dia. Mais e melhor acesso à habitação pública é urgente e para ontem.
Exigimos o controlo do mercado de arrendamento e o fim dos despejos. Neste momento, somos reféns não só da discriminação que sofremos na procura de casa, mas das políticas do governo que protegem os senhorios e os especuladores imobiliários.
Quando somos expulsas ou temos de fugir de casa porque somos vítimas de violência doméstica, são quase inexistentes as respostas públicas que acolhem, e em segurança, pessoas LGBTQIA+. É inaceitável, que na região norte, só exista apenas UM único abrigo de emergência para as pessoas LGBTQIA+.
A população em situação de sem-abrigo no Porto encontra-se também numa situação inconcebível. É uma violação diária dos Direitos Humanos. E O Porto nosso Movimento, promove ativamente o abandono das pessoas em situação de sem abrigo, com a ausência de políticas municipais consistentes e com as suas ações de higienização da cidade.
É inconcebível, é de uma violência atroz, as pessoas não terem acesso a um bem essencial para construir um projeto de vida seguro, autónomo e digno: o acesso a uma Casa.
Por isso continuaremos a gritar: Nem casas sem gente nem gente sem casa! Se a Habitação é um problema, os nossos salários e condições de trabalho também!
Queremos o fim da discriminação no mercado de trabalho, apoios sociais reforçados e que as pessoas LGBTQIA+, nomeadamente as pessoas Trans, tenham condições para trabalhar sem violência, sem discriminação com vinculos laborais nao precarios. Portugal, Precário, Sai do Armário!
Este país não é para novos, porque nos negam o direito à habitação e condenam-nos à precariedade laboral, mas também não é para velhos e velhas!
A pobreza, o acesso limitado aos cuidados de saúde continuados, os escassos apoios sociais para uma vida digna das pessoas mais velhas, é o retrato deste país. Envelhecer não pode ser uma palavra que se fecha a sete chaves dentro do armário. Homenageamos as pessoas LGBTQIA+ que durante períodos mais duros da nossa história, desafiaram a lei, arriscaram as suas vidas, para hoje estarmos aqui tantas e tantos. Obrigada.
Orgulhamo-nos também que nestes dezoito anos de Orgulho no Porto, o movimento das trabalhadoras do sexo e o movimento feminista sempre foram aliadas e parte desta Marcha. Continuamos e continuaremos a marchar juntes, até que as trabalhadoras do sexo sejam ouvidas, respeitadas e incluídas no Estado de Direito deste país. Nada sobre nós, sem nós, e para todas e com todas as pessoas. Nao aceitamos e repudiamos a criminalizacao do trabalho sexual.
Somos um movimento transfeminista, porque não aceitamos que o género que nos é atribuído à nascença determine as nossas vidas e as nossas identidades. Para nós, o corpo é território de liberdade, não de aprisionamento. Afirmamos o direito à autodeterminação, à auto identidade e à autorrepresentação.
Não há cura para a minha existência, a luta contra a violência, o colonialismo e a repressão é internacional!
Defendemos a autodeterminação dos povos pelo mundo, a desmilitarização e o fim do conflito armado feito em nome de interesses económicos e coloniais. Somos veementemente contra o Estado de Israel e seus aliados usarem a bandeira LGBTQIA+ para lavar o sangue dos milhares de palestinianos mortos, expulsos do seu país, vítimas das políticas genocidas deste Estado opressor.
Olhamos com grande preocupação para o que está a acontecer na Rússia, na Hungria, Polónia, e em todos os países onde crescem governos fascistas, neoliberais de extrema-direita. Os direitos de pessoas LGBTQIA+ estão a ser retirados e gradualmente destruídos, são ameaças reais ao direito à vida.
Precisamos de dialogar e conversar sobre o passado colonial português, que serve de pano de fundo para o avanço do conservadorismo e da extrema direita em Portugal. Enquanto não combatermos as consequências do colonialismo na nossa sociedade, nunca poderemos superar o racismo estrutural e construir uma sociedade ancorada na justiça social.
Não há cura para a minha existência, queremos um futuro e combater esta emergência!
Juntamo-nos a tantas vozes que exigem uma resposta à emergência climática que vivemos. Torna-se cada vez mais claro que a sociedade capitalista não tem feito o suficiente para travar as alterações climáticas e continuamos a sobre-consumir, destruir e desrespeitar o que é de todes. Todas as métricas definidas nas últimas décadas ficaram por cumprir.
Queremos políticas ecologistas, não apenas o ambientalismo de fachada aliado ao capitalismo “verde”. Temos pouco tempo para evitar este colapso, isto é uma emergência como nunca enfrentamos!
O nosso compromisso é inabalável, Portugal, a Europa e o ocidente devem cumprir com as suas responsabilidades e acolher os refugiados climáticos, pessoas afetadas pela crise das alterações climáticas e pelas políticas económicas e extrativistas dos países ricos.
Defender os povos originários, os povos indígenas, é defender o Direito à vida! Posicionamo-nos contra o negócio agropecuário, da monocultura e extrativista que continua a destruir o ambiente, desertificando o solo, contaminando a água, os animais e a expulsar comunidades inteiras.
Não hárevolução das Lésbicas, Gays e Bissexuais sem a libertação de todas as pessoas Trans, Travestis e Queer.Não aceitamos a invisibilidade! E o que construímos coletivamente inspira o sonho do que ainda está por fazer. Basta de fetichizar as nossas relações. Erguemos o orgulho lésbico, bissexual, pansexual e feminista. Erguemos o orgulho trans, erguemos o orgulho homossexual, assexual, e erguemos o orgulho dos afetos, da sexualidade e do consentimento,
das não monogamias e do kink, da expressão de cada um como cada uma se quer expressar numa sociedade radicalmente livre.
Hoje é dia 8 de julho de 2023, hoje é a 18ª Marcha do Orgulho LGBTI+ do Porto.
Há quem ache que somos apenas um mês do calendário. Que chega Junho e querem-nos colar um arco-íris na testa; fazer de nós um produto de marketing; querem-nos como decoração para festas temáticas; fazer de nós um roteiro turístico; fazem contas ao lucro que querem ganhar à custa das nossas vidas…
Antes de sermos 20.000, fomos 100, depois 500, somamos mais 300, crescemos para mais de 2.000, orgulhamo-nos quando fomos 7.000… Continuamos a ser orgulhosamente tanta gente. Somos uma força impaciente, um desejo de liberdade, somos o ano todo e há muitos anos. Somos dignidade e consciência, orgulho e resistência!
Não há lucro à custa da nossa existência, somos orgulho e resistência!
Não haverá ódio à nossa existência, somos orgulho e resistência!
Não há cura para a minha existência, só orgulho e resistência!
Este Manifesto foi lido em nome dos Coletivos da COMOP 2023:
Anémona. A Coletiva. A comunidade para o Desenvolvimento Humano. Amplos – Associação de Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual e Identidade de Género. Associação de Estudantes da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. Associação de Estudantes da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. CaDiv – Caminhar na Diversidade. Coletivo A Traça. Douro Bats. Habitação Hoje. Feminismos Sobre Rodas. Gentopia – Associação para a Diversidade e Igualdade de Género. Greve Climática. Kings of Kitéria. Núcleo Antifascista do Porto. PolyPortugal. Porto Inclusive. rede ex aequo. Saber Compreender. SheDecides. SOS Racismo